sexta-feira, 1 de outubro de 2010

A Teixeira de Pascoaes

A estrada nacional quinze serpenteia
o dorso fendido de Marânus
que firme aceitou que desenhassem
a passagem rumo a nordeste.

É como se a virgem serrana
transferisse para ali o calvário
e os murmúrios dos pinhais
chorassem os que tombam
nos reveses da marcha.

A lembrança e o o desejo
esculpem a saudade das curvas
e do casario espalhado pelo termo
com chaminés fumegantes
e talvez hipotéticos amantes
de poesia sorvam versos
espoliados da escola, das sebentas...

O Pessoa seca tudo! Não é ele,
é quem quer a ignorância.
Em cada viagem abraço Marânus
e tu por lá vagueias ungido
pela natureza.

JM 82

A Miguel Torga

Diz-me, ó grande poeta, que sal
tempera os teus versos?
Alguém que fite
a tua imagem cortante, esguia
e granítica;
que fala da terra quente e da terra fria
e solta límpidos pensamentos
imagina dom tão sublime em ti.

Puro, são claro e nu
com a dor de pensar sempre às costas
que abaula os quadris
e de metro sempre no bolso
para medir o que diz.

JM 82

Impor a quem os pôs...

À crise 83-85

Ai que chatice ouvir o político
a falar de administração
chatice a sério
é ver a derrocada do cidadão!

Ter de pagar imposto
privar a rapaziada da rambóia e da boémia
tão ao meu gosto
ter de pagar imposto
é de mau gosto
senhor vil e modesto!

Chatice é ver o destino da nação
orientado pela cobiça
e interesse promocional:
vota AD, PS cumpre
APU pela defesa de abril... etc., etc., & tal


E não é pelo que entendem que governam:
tão só pelo prazer d'impor
a quem os pôs a governar
para parir mais um imposto
até retroactivo se calhar

Karai! Isso é roubo disfarçado
daquilo que já nem se tem no bolso
que belo governar
que esta nação tem...

JM 85

Elegia IV

Ressoa murcha a ramagem dos pinhais
eu passo e ouso perguntar bem alto
por quem chorais?

Ressoam acordes dos ramos dobrados
eu passo e ouso perguntar bem alto
por quem a finados?

Ressoam as nuvens pelo céu enxuto
eu passo e ouso perguntar bem alto
por quem esse luto?

O eco passa não há quem responda
arrepia-me o silêncio sepulcral
firme grito à negra hedionda

Vai, corre teus caminhos desenfriada
mas saibas se passares à minha porta
olvidar tão bela vida amada.

JM 87

Elegia III

Senhor, erguem cruzes em todos os caminhos
onde outrora o povo confraternizava
os grandes esmagam os pequeninos
porque todos esqueceram a tua palavra.

E se algum queixume se levanta
contra os maus tratos e desumanidades
os poderosos bem lhes calam a garganta
injustiçando o mundo em nome de deidades.

Ó homens impiedosos e assassinos
indignos de pertencer ao escol da natureza
porque não cessais d'erguer cruzes pelos caminhos
e de agrilhoar do mundo a riqueza.

Erguei antes o vosso pesar e arrependimento
pela vossa insolência iníqua e desmedida
pois se não restar algum bondoso sentimento
caia sobre vós senhores pertinaz ira.

JM 87