sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A Cesário Verde

Quando te conheci
Tinhas uma banca na praça
E vendias fruta de mil cores,
Pedi pêssegos e achaste graça
Por ter pedido algumas flores.

Comprei-as descuidado
Sem saber a quem as ofertar,
Esperando que alguém as pudesse merecer,
Mas o peso abonado deu para entender
Que a ti as flores havia d'entregar.

Experimentei também as uvas,
Enquanto tuas faces cor de ginja sorriam
E distraído apreciava as tuas madeixas
Que com a cor dos olhos condiziam:
Grandes, agudos e ovais como as ameixas.

E se pudesse comprar fiado
P'ra satisfazer os caprichos da ansiedade,
Comprava-te toda a fruta da banca,
Arrumavas e escrevias: "Fechado",
P'ra passear contigo pela cidade.

Já dava na Sé o meio-dia,
E tu, que prometeras, sem aparecer,
Outras dardejavam-me com olhares
E passavam velozes, sem vagares
P'ra perguntar o que estava a acontecer.

De súbito entravas na igreja,
Sem saber quem disso havia curado,
Trazias o teu corpo de fruta perfumado
E o tal ramo de flores mimosas
Que às dardejantes fazia inveja.

Se ao menos fosse verdade...
Mas não! Que pensamento o meu?
Batia a uma hora e eu ali especado
A ser cada vez mais dardejado,
À espera daquilo que nunca aconteceu.

Marrão 82

1 comentário:

  1. Em Junho ou início de Julho de 1981, não sei precisar o dia, tive de me deslocar de Bragança a Lamego pedir autorização à tropa para sair do país. Ainda havia comboio para o Nordeste. O comboio foi símbolo de civilização, mas os homens, certos homens, que hoje pisam alcatifas públicas dias sem conta, e discursam como se não tivessem pecado, esqueceram-se disso. Como a viagem seria demorada: automotora, autocarro, entrei numa livraria, na livraria Popular e, como por milagre, entrou-me pelos olhos um livrito branco, com uma figura de poeta que dizia: O Livro de Cesário Verde. Já gostava de poesia: trovadoresca, Camões, Bocage, Garrett, mas... isso na época era escolar. Agora, nessa viagem tinha a certeza que havia poesia, outra.
    Mais tarde não pude, nas minhas tentativas de poetar, deixar de reconhecer a importância desse final de tarde, dessa livraria. É uma experiência inesquecível, quando descobrimos por nós mesmos. Na verdade, naquela viagem, acabara de me encontrar com a poesia. A imitação? Que os outros julguem, a mim basta-me o consolo da tentiva; daí a dedicatória.

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